Temos presenciado nos últimos anos uma discussão acirrada sobre a alteração na idade para a responsabilização penal.
Há defensores para a manutenção da atual idade limite (18), enquanto outros defendem a diminuição para 16 anos, enquanto alguns outros propõe idades ainda menores.
Há argumentos válidos para todas essas teses, mas há também vários deles inapropriados para a discussão, ou são completamente falaciosos.
Como um teste de raciocínio poderíamos propor que a maioridade penal seja alterada para 35 anos. E isso pode ser defendido com os mesmos tipos de argumentos (falaciosos) que tentam justificar a manutenção dos 18 anos ou sua alteração para idade menor.
Vejamos como isso pode se desenvolver, imaginando o discurso de um defensor dessa tese de maioridade penal somente aos 35 anos:
“Em primeiro lugar, entendo que a idade de 35 anos é a idade em que qualquer brasileiro deva conseguir atingir seu ápice de desenvolvimento intelectual, pois a Constituição Federal entende que essa é a idade mínima para que um cidadão possa ser presidente da república, ou Ministro do Supremo Tribunal Federal (Constituição Federal, artigo 101)
Se falta algo na formação de uma pessoa antes do 35 anos, não é razoável que lhe imponham uma restrição tão grave como a privação de liberdade, antes de completar essa idade.
Não é esse um artificialismo da constituição. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE, indica que nas casas brasileiras em que a renda familiar é superior a vinte salários mínimos a porcentagem de filhos entre 25 e 29 anos que ainda moram com os pais atingia 66% em 2004, um salto em relação aos 43% de 1993; na faixa dos 30 aos 34 anos, o avanço foi de 20% para 29%. e esses percentuais continuam a subir. (veja mais recente aqui, a partir de fls. 92); Ou seja: as pessoas permanecem residindo com os pais até uma idade média de 30/35 anos.
Além de respeitar a nova sociedade, a alteração da maioridade penal para 35 anos diminuirá a criminalidade, e isso é simples de ser constatado: É incontroverso que apenas 0,2% dos adolescentes (entre 12 e 18 anos) estão cumprindo alguma medida socioeducativa no Brasil por terem cometido crimes. Aqueles que querem manter a maioridade penal em 18 anos argumentam que isso prova que a criminalidade não é maior nesta faixa etária, ou seja, não há um problema específico relacionado à maioridade penal.
O que se verifica com facilidade é que com o simples ingresso na idade em que se atinge a maioridade penal, ocorre um grande aumento na criminalidade.
Os indivíduos com faixa etária entre 18 e 24 anos representaram 30% do total de detentos. Logo depois vêm aqueles com idade entre 25 e 29 anos, que representaram 26% do total. (fonte: DEPEN – Departamento Penitenciário Nacional, em 2008, veja aqui). Ou seja, basta atingirem a maioridade penal para começarem a delinquir.
Se aumentada a maioridade penal para 35 anos, essa linha de aumento abrupto de violência será adiado por 17 anos!
Em estudo da Organização Internacional do Trabalho concluiu que 15 % dos jovens que trabalham no tráfico têm entre 13 e 14 anos. O que faz supor que não haveria dificuldade em aliciar crianças cada vez menores, a cada redução proposta na maioridade penal. Reduza para 16 anos e os traficantes recrutarão os de 14, reduza para 14 e na manhã seguinte os de 13 estarão aliciados como soldados do tráfico. Assim, rebaixar a idade penal equivale a jogar no mundo do crime crianças cada vez mais jovens. É evidente que elevar a idade penal equivale a libertar do mundo do crime milhares de jovens.
É certo também que a violência no Brasil está profundamente ligada a questões como: desigualdade social, exclusão social, impunidade, falhas na educação familiar e/ou escolar, processos culturais exacerbados em nossa sociedade como individualismo, consumismo e cultura do prazer.
Na maioria dos casos, a ficha criminal, geralmente pobres mostra um histórico de violência e falta de amparo em algum momento ou durante toda a sua vida. Suprindo-se tal desamparo, resolve-se fortemente a questão da violência.
Assim, ao elevarmos a maioridade criminal o Estado assumirá suas responsabilidades para suprir essas deficiências, cumprindo seu dever constitucional de gerar e manter uma sociedade justa.
O movimento de responsabilização penal no mundo vai exatamente nesse sentido. A Alemanha recentemente aumentou a idade penal após tê-la reduzido e os resultados não tinham sido bons. Na China, a idade atual é 25 anos, conforme dados da UNICEF (veja aqui)
Ademais, é comum a aceitação de uma ideia errônea que leis mais rigorosas podem combater a violência e melhorar a situação no Brasil.
Cesare Beccaria, no século 18, em sua obra prima “Dos Delitos e das Penas” defende a ideia de que o que evita os crimes não seria a severidade da pena, mas sim a certeza de sua aplicação. O Beccaria diz que as penas devem ser brandas, e os juízes devem estar sempre atentos, vigilantes, prontos para aplicá-las.
O Estatuto da Criança e do Adolescente pode ser aplicado até que o cidadão complete 35 anos, sem que haja qualquer vácuo desprotegendo a sociedade de atos violentos, pois a internação em estabelecimento educacional, a inserção em regime de semi-liberdade, a liberdade assistida e a prestação de serviços à comunidade, algumas das medidas previstas no Estatuto da Criança e do adolescente (art. 112), são iguais ou muito semelhantes àquelas previstas no Código Penal para os adultos que são: prisão, igual à internação do menor; regime semiaberto, semelhante à inserção do menor em regime de semi-liberdade; prisão albergue ou domiciliar, semelhante a liberdade assistida aplicada ao menor; prestação de serviços à comunidade, exatamente igual para menores e adultos.
Por outro lado, vemos que a extensão da aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) resultará em ressocialização, pois ele prevê seis medidas socioeducativas para atos infracionais (correspondentes a tipos penais).
Na aplicação do ECA, o Estado tem em suas mãos diversos mecanismos de autodefesa, como a liberdade assistida e a prestação de serviços à comunidade, enquanto que o Código Penal praticamente só reserva a segregação do condenado da sociedade, levando-o para a “faculdade do crime”.
Nesse sentido, um grupo de trabalho da ONU criticou em março deste ano o “uso excessivo da privação de liberdade” como punição a crimes no Brasil e deficiências na assistência jurídica a presos pobres no país.(veja mais detalhes aqui), o relatório final detalhado da visita será apresentado em março de 2014 ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, na Suíça.
Esse é um alerta. E com a alteração da maioridade penal para 35 anos podemos inclusive tomarmos uma posição proativa diante desse estudo da ONU, demonstrando a vanguarda do Brasil no cenário mundial.
A utilização do ECA até a idade de 35 anos é medida mais adequada para o cenário brasileira; o ECA exige o deveres e prevê reparações de erro, trabalho comunitário, tratamento e somente prevê a privação de liberdade para o caso de jovens em conflito com a lei em situações mais graves.
Dados de 2011 informarm que enquanto o país investe mais de R$ 40 mil por ano em cada preso em um presídio federal, gasta uma média de R$ 15 mil anualmente com cada aluno do ensino superior — cerca de um terço do valor gasto com os detentos. Quando essa comparação é realizada com detentos de presídios estaduais, onde está a maior parte da população carcerária, e alunos do ensino médio (nível de ensino a cargo dos governos estaduais), a distância é ainda maior: são gastos, em média, R$ 21 mil por ano com cada preso — nove vezes mais do que o gasto por aluno no ensino médio por ano, R$ 2,3 mil. (mais detalhes de estudo sobre o tema aqui)
Com a alteração da maioridade para 35 anos, além da melhoria nas condições de segurança publica, também milhões de reais poderiam ser direcionados para a educação, o que por sua vez e em razão disso, também faria diminuir ainda mais a violência pública.”
Ou seja: absurdos podem ser defendidos com alguns argumentos que sem análise mais aprofundada até parecem razoáveis.
Os debates seguem-se com falsos dilemas, muitas vezes utilizando-se de frases de “autoridades” ou “celebridades” que não conhecem o assunto (argumentum ad verecundiam.)
Muitas vezes os argumentos jogam com a simpatia da idéia, mesmo que não tenha qualquer razão (Na escola, argumentum ad misericordiam.). Você é levado a negligenciar a imperfeição das ideias por intermédio de uma descrição comovente de algum acontecimento infeliz.
Muitas vezes boas ideias surgem de pessoas que tem origem não respeitada por quem analisa (argumentum ad hominem). Normalmente a refutação é acompanhada de algum adjetivo (pejorativo) a quem deu a ideia, e não é combatida a ideia em si.
Nessas discussões também são comuns argumentos que alegam que uma coisa ocorreu simplesmente porque outra aconteceu primeiro (post ergo propter hoc)
Por fim, as generalizações sempre são um grand finale nas teses argumentativas, sejam elas “falsas precipitadas”, e as generalizações abrangentes (“dicto simplicter”)
Enfim, com um pouco de habilidade e um leitor desatento, é possível levar teses sem sentido a serem aceitas e até mesmo defendidas em difusão. Espero que o leitor deste texto não passe a defender a tese de maioridade aos 35 anos. Afinal podemos defender a maioridade aos 40 anos.
(proibida a citação parcial deste texto, mesmo que indicada a fonte)
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