É da Justiça do Trabalho, e não da Justiça Comum, a competência para apreciar pedido de autorização para trabalho de menores, inclusive o trabalho artístico. Esse foi o entendimento unânime da Terceira Turma do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo (2ª Região), com base na nova redação do artigo 114, inciso I, da Constituição, que fixa a competência da JT para julgar todas as ações oriundas da relação de trabalho (Emenda Constitucional nº 45/2004).
De acordo com a relatora do processo no TRT, desembargadora Rosana de Almeida, é da Justiça do Trabalho a atribuição para apreciar “pedido de autorização para ocorrência de trabalho por menores, que não guardam a condição de aprendizes nem tampouco possuem a idade mínima de 16 anos”. Segundo a legislação brasileira, os adolescentes podem trabalhar como aprendizes dos 14 aos 16 anos. A partir daí, o trabalho é permitido, desde que protegido por direitos trabalhistas, previdenciários e em situações não degradantes. Ocorre que é possível à criança com idade inferior a 14 pedir autorização judicial para o trabalho, diante da exceção feita pela Convenção 138 da OIT sobre trabalho infantil, adotada pelo Brasil. Embora existam autorizações para vários tipos de trabalho, parte da doutrina especializada indica que apenas o trabalho artístico infantil pode ocorrer, mediante autorização, antes dos 14 anos.
A Turma do TRT-SP aceitou o recurso interposto pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) contra decisão da 63ª Vara do Trabalho de São Paulo, que havia declarado a incompetência da JT para apreciar a matéria e determinou a remessa dos autos à Justiça Comum Estadual, a fim de que o processo fosse distribuído a uma das Varas da Infância e da Juventude daquele estado. O recurso ordinário do MPT arguiu a nulidade da decisão da Vara do Trabalho, já que ele discute o interesse de crianças e adolescentes, e sustenta a competência da JT para apreciação da matéria.
O processo
A autora do processo TRT/SP nº 00017544920135020063, Centro Mix Mixagem e Produções Artísticas Ltda. EPP, solicitava autorização para que os menores de idade citados na ação pudessem realizar serviços de dublagem, visto que eles não tinham a condição de aprendizes, nem tampouco a idade mínima de 16 anos.
Em sua decisão, a relatora do processo no TRT, desembargadora Rosana de Almeida, lembra que a questão do trabalho infantil se transformou em um problema latente na sociedade moderna, “mormente na brasileira, motivo pelo qual o Estado não pode permanecer inerte e indiferente à sua gravidade”. Ela lembra que a redação do artigo 406 da CLT, que atribui ao juiz da Vara da Infância e da Juventude a responsabilidade para autorizar o trabalho do menor, não pode se sobrepor ao disposto no artigo 114, inciso I, da Constituição, alterado pela Emenda Constitucional de nº 45/2004, que estabeleceu a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar todas as causas oriundas das relações de trabalho.
A relatora sublinha, entretanto, que o artigo 7º, inciso XXXIII, da Constituição Federal proíbe o trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de 18, e de qualquer trabalho a menor de 16 anos, salvo na condição de aprendiz. Cabe ressaltar que o trabalho infantil só pode ocorrer na condição de aprendiz, a partir dos 14 anos, mediante autorização judicial.
“Aprendiz” é o empregado com um contrato de trabalho especial e com direitos trabalhistas e previdenciários garantidos. Parte do seu tempo de trabalho é dedicado a um curso de aprendizagem profissional e outra é dedicada a aprender e praticar, no local de trabalho, aquilo que foi ensinado no curso. Já os adolescentes na faixa etária entre 16 e 18 anos podem trabalhar, mas somente nas seguintes condições: o trabalho não pode ser noturno, perigoso, insalubre, penoso, realizado em locais prejudiciais à sua formação e ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social, nem realizado em horários e locais que não permitam a frequência à escola.
Em sua decisão, a desembargadora Rosana de Almeida entende que o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seus artigos 148 e 149, trata da competência dos juízes da infância para conhecer de ações civis em assuntos alheios ao trabalho. Nesse campo, “o magistrado do Poder Judiciário Trabalhista está mais afeito, até porque conhece os meandros das relações travadas com fulcro na prestação de serviços e, portanto, sabe dos danos que esse pode trazer a quem tem a infância tolhida por tal atividade”, afirma a relatora em seu voto.
A magistrada destacou ainda o fato de que a Justiça do Trabalho, por meio do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT), instituiu, em maio de 2012, uma comissão permanente visando a erradicação do trabalho infantil e a proteção do trabalho do adolescente. Por conseguinte, o TRT-SP também instituiu sua comissão para tratar do tema e criou o Juízo Auxiliar da Infância e Juventude da JT, com a atribuição de apreciar os pedidos de autorização para trabalho infantil.
Programa de Combate ao Trabalho Infantil
A partir de 2011, a Justiça do Trabalho voltou-se institucionalmente à apreciação do problema do trabalho infantil. Para o pontapé inicial, o então presidente do TST e do CSJT, ministro João Oreste Dalazen, nomeou uma comissão que apresentou propostas de atuação de tal ramo da Justiça na erradicação do trabalho infantil.
As propostas apresentadas foram implementadas aos poucos. Incluem-se nelas a formação, no mesmo ano, da Comissão para Erradicação do Trabalho Infantil da Justiça do Trabalho (CETI) e a realização do pioneiro seminário “Trabalho Infantil, Aprendizagem e Justiça do Trabalho” em 2012, propositalmente em outubro, quando é celebrado o Dia da Criança. A participação na III Conferência Global sobre Trabalho Infantil, realizada em Brasília em outubro de 2013, foi uma consequência da apresentação pública da Justiça do Trabalho para o debate.
Na conferência, a CETI conseguiu uma declaração do Sistema Judicial (Poder Judiciário mais Ministério Público) sobre os temas da III Conferência Global, a chamada Declaração-Compromisso sobre Trabalho Infantil. O documento defende que Poder Judiciário e Ministério Público “devem participar ativa e decisivamente para assegurar a erradicação do trabalho infantil, visto que os princípios da absoluta prioridade e da proteção integral, vinculados à tutela geral dos direitos humanos, detêm universalidade e se dirigem não apenas aos governos e parlamentos, mas também ao Estado-juiz”.
A ativa participação da JT é considerada um marco por especialistas, porque nas atividades com o padrão OIT, o formato clássico é tripartite (governo, mais trabalhadores, mais empregadores). De acordo com o juiz Marcos Fava, do TRT-SP e integrante da Comissão Para Erradicação do Trabalho Infantil, a iniciativa da Justiça do Trabalho quebrou a lógica, diferenciando “Governo” de “Judiciário”, o que pode ser considerado um passo relevante e histórico na abordagem da questão. Para o magistrado, ela deve gerar frutos, como, por exemplo, a participação da JT na IV Conferência Global, que será na Argentina. As ações da Justiça do Trabalho quanto à proteção da infância e da adolescência são consideradas importantes tanto pelo assunto quanto pelo perfil proativo dos juízes do Trabalho, incomum nos demais ramos do Judiciário.
Em seguida, em novembro deste ano, o CSJT instituiu o Programa de Combate ao Trabalho Infantil da Justiça do Trabalho, cujo objetivo é desenvolver, em caráter permanente, ações em prol da erradicação dessa prática e da adequada profissionalização do adolescente. O Programa conta com o apoio do Ministério Público do Trabalho (MPT) e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
A iniciativa também prevê a indicação de gestores nacionais e regionais para o Programa, que, entre outros feitos, providenciou recentemente o envio de 60 mil revistinhas da Turma da Mônica, com o tema “Trabalho infantil nem de brincadeira”, e de 8 mil cartilhas com 50 perguntas e respostas sobre o tema. O material vem sendo distribuído por entidades representativas, como o Conselho Nacional de Direitos da Criança (Conanda), da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República; Ministério do Trabalho e Emprego, e os próprios TRTs, entre outras. Também serão enviadas uma cartilha e uma revista para cada juiz e desembargador do Trabalho.
(Marta Crisóstomo/LR/TST)
Fonte:TST
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