Em 2010, J. R. celebrou contrato de empréstimo no valor de R$ 4.500, a serem pagos em parcelas mensais de R$ 270. Contudo, o valor era pago, sem atingir a totalidade da dívida. Ao analisar o processo, o magistrado constatou que a instituição financeira ofereceu um saque de cartão de crédito ao cliente, no qual se abatia, mensalmente, apenas o valor mínimo da fatura, impedindo a liquidação da dívida, que aumentava “vertiginosamente com o passar do tempo”.
Para Naciff Bezerra, o banco “violou os princípios da probidade e boa-fé, o que impõe a adequação do contrato em questão reconhecendo-o como contrato de mútuo com consignação em folha de pagamento, e não de saque com cartão de crédito, permitindo aplicar ao caso as diretrizes traçadas para o empréstimo consignado, em relação aos encargos pertinentes”.
Até o momento atual, J. já havia pago mais de R$ 13 mil. Na sentença, o magistrado fixou os juros remuneratórios em 2,34%, conforme Tabela do Banco Central, afastando a incidência de capitalização mensal. Com o novo cálculo, caso seja apurado que a parte autora pagou mais do que deveria, o B. deverá restituir a vítima em dobro da quantia apurada além da conta.
Modalidade perigosa
Na petição, J. alegou que sua intenção, ao contrair o empréstimo, era celebrar o crédito consignado com desconto em folha de pagamento, e não o saque de um cartão de crédito. Sobre isso, o juiz ponderou que “o banco réu faltou informar ao autor, de forma clara e específica, de que os descontos se dariam sobre o valor mínimo da fatura”.
Tal modalidade de dívida é, na ótica de Naciff Bezerra, desleal com o cliente. “É de fácil percepção a proliferação deste tipo de demanda, na qual o consumidor imagina que celebrará um contrato de empréstimo (mútuo feneratício), enquanto na verdade se cuida de um contrato atípico de cartão de crédito”.
Para embasar a sentença, o juiz destacou que o Banco Central do Brasil (Bacen), notando o grande endividamento condizente com esse tipo de operação, lançou a Circular nº 3549/11 em 2011, que equipara o cartão de crédito consignado às demais operações de consignado “para desestimular as operações de financiamento consignado no cartão com prazos longos e preservar os objetivos prudenciais da regulamentação”.
Sobre o assunto, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) – em seu artigo 6º, inciso 3 – dispõe que é direito básico do consumidor a informação clara, adequada, com especificação correta, visando preservá-lo nos negócios jurídicos submetidos ao crivo da norma consumerista. Tal exigência também decorre de um dos deveres anexos do princípio da boa-fé objetiva, prevista no artigo 422 do Código Civil.
O magistrado elucidou que a legislação “procura adequar o princípio da livre manifestação de vontade à natureza própria da relação de consumo, no qual o consumidor encontra-se em situação de flagrante vulnerabilidade técnica, econômica e jurídica”.
A abusividade do cartão de crédito é tamanha, segundo destacou o juiz, “que houve a suspensão dos empréstimos consignados em Goiás, cuja medida fora tomada pelo Procon-GO e Secretaria de Gestão e Planejamento (SegPlan), seguindo recomendação do Ministério Público”.
Diante desse quadro, em que práticas abusivas são verificadas, “o Judiciário, valendo-se do sistema protetivo inaugurado pelo CDC, deve intervir nos contratos privados, definindo regras de equidade, com o objetivo de implantar ou restabelecer o equilíbrio nas relações das instituições financeiras com seus clientes, quando, em desvantagem exagerada destes, aquelas estejam se locupletando ilicitamente”.
Fonte: Tribunal de Justiça de Goiás
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