Em substituição na 2ª Vara Criminal de Anápolis, Mateus Milhomem de Sousa autorizou a interrupção terapêutica do parto de gestante com feto anencéfalo (sem cérebro). Ele deferiu a expedição de alvará determinando que os médicos fiquem responsáveis por avaliar a conveniência e oportunidade da operação, podendo a mãe cumpri-la em qualquer rede pública ou privada de saúde.
O juiz considerou que o feto não possuía condições de vida extrauterina e colocava a gestante em risco, em caso de falecimento interno. Ele destacou a existência de dois exames assinados por médicos que constataram a existência da má formação do feto. “Não se está tratando de aborto de feto viável, mas de interrupção terapêutica de feto inviável, tudo de acordo com a ciência e com a maioria esmagadora da lei dos demais países que fazem parte da cultura humana”, concluiu o magistrado.
Resolução do CFM
Mateus Milhomem ponderou sobre a Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) 1989/12, a qual autoriza que, em caso de fetos diagnosticados com anencefalia, o próprio médico pode interromper a gravidez, sem autorização judicial. Ele ressaltou que, mesmo assim, alguns profissionais ainda sentem-se inseguros para agir. Segundo o juiz, isso se dá em razão das várias “inconsistências” na resolução, “que justificam o temor dos médicos em agir sem autorização judicial”.
Entre elas, observou o magistrado, o CFM não exige a participação paterna nesses casos. De acordo com ele, essa dispensabilidade vem do entendimento que, enquanto o feto estiver dentro da barriga, os interesses que devem prevalecer são os da gestante, pois ela é mais atingida pelos efeitos. No entanto, ele considerou que, “em face da dignidade do ser humano”, os registros deveriam ser feitos constando também o nome do genitor, “tanto para fins documentais, hereditários, históricos, bem como de eventuais responsabilidades”.
Segundo o juiz, várias hipóteses poderiam ser consideradas na resolução, como facultar à gestante constar a concordância do pai; exigir a concordância do pai para a interrupção sem necessidade de intervenção da justiça e, em caso de divergência ou desconhecimento, ausência ou desaparecimento de pai conhecido, haver necessidade de participação do Ministério Público, entre várias hipóteses a serem discutidas.
Laudo Psicológico
Mateus Milhomem também destacou que o Conselho não exige nenhum laudo psicológico dos pais. “Vejamos, num momento crítico como este, não se pede que os pais sejam encaminhados para uma entrevista com um psicólogo que ateste a capacidade de ambos tomar uma atitude deste porte, tal a relevância do tema”, analisou o magistrado. Ele ressaltou que as avaliações pré e pós deveriam ser obrigatórias, “para evitar-se novos problemas que possam afetar severamente os envolvidos ou terceiros”.
O juiz entendeu ser relevante a existência de prévio acompanhamento psicológico, “para fim de atestar que os pais, após atendimento profissional, estão cientes das variáveis envolvidas e aptos”. Ele explicou que, na Europa, este tipo de consulta preparatória é fase obrigatória.
Alternativas
O magistrado ainda apontou que a resolução não abre espaço para alternativas à interrupção do parto, como a doação de tecidos, órgãos, células, entre outros. Ele destacou que a doação era possível no passado, mas em 2010, o CFM revogou essa possibilidade “em face do debate mundial decorrente da dificuldade em determinar-se o momento da morte do anencéfalo, e em preservar-se os órgãos para doação, além das implicações ético legais envolvidas”.
No entendimento do juiz, a contradição entre as noções de organismo vivo e pessoa morta devem ter resposta e não “deixar-se indefinidamente no limbo, prejudicando pessoas que desejariam evitar a interrupção e ajudar outras crianças, bem como, pais de crianças que estão na fila sem muitas esperanças para seu filho”. Segundo o magistrado, se houvesse viabilidade nesta questão, “muitos pedidos de interrupção seriam evitados, e a morte não seria apenas um fim em si mesmo, mas o início de uma nova fase para outro ser humano”.
Fonte: AASP
Deixe um comentário