Usina Santa Fé é obrigada a pagar salários aos cortadores. Para Ministério Público do Trabalho, caso abre precedente que pode ajudar a reduzir acidentes e mortes no setor.
O Tribunal Regional de Trabalho de Campinas (SP) confirmou em segunda instância que a usina de cana-de-açúcar Santa Fé será obrigada a substituir o sistema de pagamento por produção pelo pagamento de salários. A sentença foi proferida pelo desembargador Hélio Grasselli e reforça o posicionamento tomado em outubro de 2012 pela Justiça do Trabalho em Matão (SP), no caso que é considerado o primeiro em que uma usina foi impedida de vincular a remuneração paga aos cortadores à quantidade de cana colhida por eles. A empresa está localizada no município de Nova Europa, região de Araraquara no interior de São Paulo. A Repórter Brasil tentou ouvir a usina, mas não conseguiu obter um posicionamento.
Rafael Gomes, o procurador do MPT (Ministério Público do Trabalho) que ajuizou a ação, qualifica o resultado como histórico: “É a primeira decisão do gênero no país, e coincide com expectativas existentes há várias décadas quanto à necessidade de ser abolido o pagamento por produção no corte manual de cana.”
No recurso à decisão em primeira instância, a empresa questionou a legitimidade da sentença e alegou “prejuízo diante da concorrência”, argumentando que outras empresas não estavam sujeitas ao mesmo juízo. A esse respeito, o procurador Rafael Gomes afirmou que o precedente favorece a abertura de ações civis públicas de caráter similar contra outras usinas em São Paulo e outros estados, e questionou a lógica por trás do raciocínio. “Se você reconhece que utilizar o salário por produção dá a determinadas empresas vantagem econômica, fica evidente que tal vantagem está sendo obtida através da exploração do trabalhador”, afirma.
A empresa pode recorrer da decisão em segunda instância ao Tribunal Superior do Trabalho em até 180 dias, limite para que a decisão seja cumprida. Se após o prazo, a empresa descumprir a determinação, está sujeita a multa de R$ 1.500 por trabalhador, a cada mês de descumprimento. A decisão favorece a regulação das condições de trabalho no setor, onde as notícias de morte e acidentes relacionados ao pagamento por produção têm sido discutidas por pesquisadores há décadas.
Na sentença, o desembargador aponta que o pagamento por produção está relacionado a doenças e acidentes, e até casos de mortes de maneira estrutural. “O cortador de cana remunerado por produção não trabalha a mais porque assim deseja. Muito pelo contrário: ele trabalha a mais, chegando a morrer nos canaviais, unicamente porque precisa. Sua liberdade de escolha, aqui, é flagrantemente tolhida pela sua necessidade de sobreviver e prover sua família”, diz o documento.
Segundo o pesquisador Francisco José Alves, professor no departamento de engenharia de produção da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), entre os motivos de acidentes de trabalho e mortes no setor estão calor, movimento repetitivo em curto intervalo e falta de descanso. Ele publicou em 2006 o estudo “Por que morrem os cortadores de cana?”, em que detalha e aprofunda a relação entre o pagamento por produção, acidentes e mortes nos canaviais.
Um trabalhador que corta em média 12 toneladas de cana por dia, o que é comum no corte manual, faz exercícios equivalentes a um atleta de alto rendimento. Ele não só carrega todo esse peso distribuídos em montes de 15 kg, como também precisa se movimentar o tempo todo. Não custa lembrar que os canaviais no interior de São Paulo são extremamente quentes. A relação entre o sistema de pagamento e as mortes foi tema de entrevista em 2007, na qual o pesquisador destaca que o pagamento pela quantidade de cana colhida “leva os trabalhadores a realizarem esforços além dos limites do corpo”.
Entre os riscos de saúde causados pelo trabalho sob calor estão: exaustão, desidratação, câimbras e choques térmicos. A Pastoral do Migrante de Guariba (SP), cidade cercada por canaviais que fica próxima de Ribeirão Preto, reportou a morte de 23 trabalhadores migrantes empregados no corte da cana em usinas do interior entre 2004 e 2009.
Contexto
A sentença contra a usina Santa Fé acontece em momento chave da indústria sucroalcooleira e favorece a melhoria recente das condições de trabalho no setor. Tal evolução se reflete, por exemplo, na diminuição de autos de infração registrados pelo MTE (Ministério do Trabalho e Emprego) nos canaviais paulistas nos últimos. De 588 autos registrados na produção de cana em São Paulo em 2006, o número caiu para 326 em 2012. No Brasil inteiro, houve diminuição da quantidade de trabalhadores resgatados de condições análogas às de escravos trabalhando em canaviais. De 289 cortadores libertados em 2006, o número diminuiu para 175 em 2012. Essas informações foram fornecidas pelo Grupo Móvel Especial de Fiscalização, e organizadas pelo centro de Monitoramento de Agrocombustíveis da Repórter Brasil.
Hoje, o estado de São Paulo concentra 60% da cana plantada no Brasil, segundo dados do Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento. A produção vem aumentando, mas, de acordo com Ministério do Trabalho e Emprego, a mão de obra empregada diminuiu por conta da mecanização – houve uma queda de cerca de 27% entre 2007 e 2011 no número de vagas.
Não é o primeiro caso em que a usina Santa Fé é processada pelo MPT. Em 2011, o órgão entrou com uma ação civil publica contra a empresa em Araraquara com pedido de liminar devido à exposição de trabalhadores a calor excessivo, o que viola a Norma Regulamentadora n° 15 do MTE.
Fonte: Última instância
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