Um acordo de conciliação em ação civil pública movida pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) da 8ª Região, assinada pela procuradora do Trabalho Tatiana Donza Cancela de Carvalho, deverá colocar em vigor, somente agora, o artigo 114 da Constituição Federal, que trata da competência da Justiça do Trabalho para apreciar os pedidos de alvará judicial para participação de menores de 14 anos em eventos de propaganda e publicidade.
O acordo firmado na 4ª Vara do Trabalho de Belém, pela juíza titular Claudine Teixeira da Silva Rodrigues, estabelece o compromisso da empresa em, sempre que houver necessidade de contratação de menor de 16 anos para eventos de publicidade, os pais sejam orientados a buscar a autorização da Justiça do Trabalho.
A juíza Claudine Rodrigues explica que, antes da Constituição de 1988, havia um dispositivo dentro da própria Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) que dizia que a competência para fornecer autorizações para o trabalho infantil em geral era da Vara Cível especializada em Infância e Adolescência.
Com a reforma do Artigo 114 da Constituição, que trata das atribuições da Justiça do Trabalho, esta deixou de ser competente apenas para regular as relações de emprego, mas também, como estabelece o inciso 1º, para mediar as demandas e controvérsias decorrentes de qualquer relação de trabalho, em um campo mais amplo do que o das relações de emprego, que são aquelas registradas em carteira.
“Um evento comercial ou de propaganda, que é esse trabalho artístico que utiliza menores de 16 anos, não é necessariamente uma relação de emprego, mas é uma relação de trabalho, porque é remunerado, há o pagamento de cachê. E o Estatuto da Criança e do Adolescente exige autorização judicial para a permanência de crianças nesses locais, que são estúdios fotográficos de rádio e TV”, diz a juíza, que completa: “Na hipótese dessa criança sofrer um acidente nesse ambiente, nesse estúdio, e sofrer alguma lesão física ou emocional, a competência seria da Justiça do Trabalho”, e considera: “Não é razoável que se tenha, num primeiro momento, a competência da Justiça comum e caso aconteça algum evento danoso, essa competência seja da Justiça do Trabalho”.
A Justiça comum continuou a fornecer a autorização para o trabalho infantil depois de 1988 e, para muitos, ainda existe o entendimento que esta autorização é competência dela. Mas já há uma corrente expressiva da Justiça, com representantes no Tribunal Superior do Trabalho (TST) e na 8ª Região, na pessoa do Desembargador Gabriel Napoleão Velloso Filho, que defende a competência da Justiça do Trabalho para este fim, por considerá-la uma relação de trabalho.
Para a juíza Claudine Rodrigues, essa ideia nunca foi devidamente disseminada na Justiça do Trabalho: “Por isso a importância e a relevância dessa ação civil pública. Eu acho que o mérito é maior do Ministério Público do Trabalho, que entrou com a ação contra essa empresa, que usa crianças em seus comerciais somente com a autorização dos pais. O MPT entende que é preciso uma autorização judicial.”
A ação movida pelo MPT noticia que a produtora vinha utilizando a mão de obra de crianças e adolescentes mediante apenas a autorização por escrito dos pais ou responsável. Em um dos casos citados, era a avó de uma criança quem autorizava o neto a participar do comercial. Ou seja, nem mesmo na Justiça comum era buscado o respaldo legal.
“Muitas vezes o pai é movido por uma necessidade econômica, mais do que por uma satisfação pessoal, orgulho ou alento do filho aparecer em um comercial, mas também pela compensação financeira, já que o filho vai receber um cachê. E entram outros fatores, porque para a autorização judicial, os pais terão que informar qual é o evento, se é propaganda de televisão, qual é a propaganda, qual é o produto. O juiz vai analisar se é realmente necessária a participação de crianças nesse evento e se é compatível a participação da criança com os princípios protetivos do Estatuto da Criança e do Adolescente”, explica a juíza.
Entre os pontos a serem verificados pelo juiz está, por exemplo, se o menor de até 16 ficará exposto em um anúncio que atente contra a moral. Essa exigência, para a magistrada, aumentará a vigilância sobre o segmento com relação ao cumprimento do ECA. “O Estatuto diz que tem que haver compatibilidade com a frequência escolar, não pode faltar aula”, informa a juíza Claudine. Além das produtoras, outras empresas, como as de casting, que fornecem profissionais para as gravações, também terão que se adequar. “Exigindo essa autorização judicial, a atividade terá um controle melhor, será melhor para a sociedade”, considera a juíza.
“Meu entendimento é que a autorização tem que ser requerida pelo representante legal do menor, que são os pais ou quem detiver o pátrio poder, que vão apresentar um pedido de participação de menor de 16 anos em evento artístico, dizendo qual é o evento, o dia da gravação”.
A previsão da juíza é de que o processo de tramitação não será longo. A tramitação deverá ser a mesma das autorizações de alvarás, que hoje são distribuídos às Varas, mas não são incluídas em pauta de audiência, a não ser que o juiz ache necessário. A magistrada considera que se o processo chegar às mãos do juiz com todos os documentos necessários, a autorização poderá ser deferida em um prazo de 48 horas, embora o juiz tenha até dez dias para publicar a decisão. Nesse tempo, ele poderá até decidir chamar a parte para uma audiência, se julgar necessário.
A tramitação deve ser curta por se tratar de feito de jurisdição voluntária, ou seja, não contenciosa, pois há apenas uma requerente. A juíza diz não ter conhecimento se em alguma Região trabalhista do Brasil a Justiça do Trabalho já assumiu essa atribuição. “O Ministério Público do Trabalho também não tem conhecimento se já foi firmado o acordo em outras regiões do Brasil. A 8ª Região pode estar sendo pioneira neste avanço para assumirmos a competência nesse tipo de demanda”.
Fonte: www.trt8.jus.br
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