A obrigação alimentar extinta, mas que continua a ser paga por mera liberalidade do alimentante, não pode ser mantida com fundamento no instituto da surrectio – fenômeno jurídico que, em uma relação contratual, faz surgir um direito não convencionado pelas partes, em razão de seu exercício por longo período. O entendimento foi firmado pela 3ª turma do STJ.
Em 2001, as partes firmaram acordo no qual o ex-marido se comprometeu a pagar, para a ex-mulher, plano de saúde e pensão alimentícia pelo período de 24 meses. Quando o prazo expirou, o ex-marido, por conta própria, permaneceu arcando com a verba alimentícia por cerca de 15 anos. Em 2017, o alimentante decidiu suspender o pagamento.
Diante da suspensão, a mulher ajuizou ação pleiteando a continuidade dos pagamentos, defendendo que a pensão não poderia ser subtraída em virtude do princípio da boa-fé objetiva.
Ao decidir pela manutenção da pensão alimentícia, o Tribunal de 2ª instância entendeu que o ex-marido teria criado uma expectativa de direito digna de proteção jurídica, em virtude do seu comportamento reiterado por longo período. O Tribunal também considerou a idade avançada da alimentanda e suas tentativas frustradas de voltar ao mercado de trabalho.
Compromisso não é eterno
No voto acompanhado pela maioria da 3ª turma do STJ, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva apontou que o que o ex-marido, por espontânea vontade, cooperou com a ex-mulher pelo período desejado, sem a existência de uma obrigação legal. Para o ministro, não houve ilicitude na suspensão do pagamento da pensão, já que não havia mais relação obrigacional entre as partes.
“A boa intenção do recorrente perante a ex-mulher não pode ser interpretada a seu desfavor. Há que prevalecer a autonomia da vontade ante a espontânea solidariedade em análise, cujos motivos são de ordem pessoal e íntima, e, portanto, refogem do papel do Judiciário, que deve se imiscuir sempre com cautela, intervindo o mínimo possível na seara familiar. Assim, ausente o mencionado exercício anormal ou irregular de direito.”
O ministro também destacou que o fim de uma relação conjugal deve estimular a independência de vidas e não, ao contrário, o ócio, pois o dever de prestar alimentos entre ex-cônjuges não constitui garantia material perpétua.
A restauração da pensão, segundo o ministro, significaria distorcer a ordem natural, pois a aquiescência da ex-mulher em ser auxiliada não pode ser objeto de manipulação para a criação de uma obrigação inexistente.
O caso tramita sob segredo de justiça.
Informações: STJ
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