É possível que seja necessário instaurar incidente de desconsideração da personalidade jurídica para fazer o redirecionamento de execução fiscal a pessoa jurídica que integra o mesmo grupo econômico da sociedade empresária originalmente executada. Mas desde que não identificada na certidão da dívida ativa (CDA) ou que não possua responsabilidade tributária em sentido estrito — aquela disposta nos artigos 134 e 135 do Código Tributário Nacional.
Com esse entendimento, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça reforçou a necessidade de defesa prévia antes do redirecionamento da execução fiscal, reafirmando um ponto de divergência entre os colegiados que julgam matéria de Direito Público. O julgamento ocorreu na terça-feira (1º/9).
A questão reside em um conflito de normas. A Lei da Execução Fiscal (Lei 6.830/1980) não prevê uso do incidente de desconsideração da pessoa jurídica.
Esse incidente está previsto no artigo 134 do Código de Processo Civil, inclusive com referência expressa no sentido de sua aplicação à execução fundada em título executivo extrajudicial.
A Lei de Execução Fiscal, no entanto, diz em seu parágrafo 1º que a aplicação do CPC na execução fiscal deve ser subsidiária.
Conflito de normas
Para a 1ª Turma, as normas têm uma relação de complementaridade. O artigo 4º, inciso V da LEF diz que a execução fiscal pode ser promovida contra o responsável, nos termos da lei, por dívidas, tributárias ou não, de pessoas físicas ou pessoas jurídicas de direito privado.
O Código Tributário Nacional, nos artigos 134 e 135, trata da responsabilidade de terceiros nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte.
Quando o caso concreto não se enquadra nessas regras, surgiria uma situação excepcional, contemplada pelo CPC. Daí, então, surge a necessidade de instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica.
Já para a 2ª Turma, há incompatibilidade entre o regime geral do CPC e o da Lei de Execução Fiscal. O entendimento é que o CPC não incluiu o sistema especial que envolve o regime jurídico da execução fiscal.
Embargos de divergência
Essa discrepância jurisprudencial ficou evidente em dois julgados no STJ em 2019. Contra um deles, da 1ª Turma, houve interposição de embargos de divergência, o que deu a chance de a 1ª Seção uniformizar o entendimento. Em abril de 2020, no entanto, o colegiado considerou o julgamento incabível por ausência de similitude fática.
A divergência existe. Mas, enquanto a 1ª Turma fez suas considerações ao analisar o mérito da questão, o acórdão paradigma da 2ª Turma conheceu do recurso apenas em parte — no trecho que trata do redirecionamento da execução fiscal, aplicou a Súmula 7 e fez considerações sobre o mérito apenas como obiter dictum (como elemento da razão de decidir).
Caso concreto
No caso concreto, a Fazenda obteve sucesso no redirecionamento da execução fiscal contra empresa que não consta da CDA, em razão da configuração de grupo econômico e a solidariedade tributária, conforme entendeu o juízo da execução.
Em recurso, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região apontou que, como o crédito público em execução tem natureza tributária e goza de proteção especial, a aplicação do incidente de desconsideração da personalidade jurídica “aparenta ser incompatível com o rito das execuções fiscais”.
“A análise do tribunal resume-se à premissa maior da questão: a incompatibilidade total do incidente com a Lei de Execução Fiscal. Os elementos fáticos deixaram de ser cotejados, impossibilitando o adequado exame da controvérsia sob o aspecto da responsabilidade tributária”, apontou a relatora da ação na 1ª Turma, ministra Regina Helena Costa.
Assim, deu parcial provimento ao recurso especial para anular o acórdão do TRF-2 e devolver os autos ao tribunal, para que que reaprecie a questão debatida, sob pena de supressão de instância.
“Como regra, não cabe a desconsideração da personalidade jurídica. Mas como exceção, sim. Estamos exatamente nessa situação de se analisar dentro da possibilidade excepcional. Entendo que o tribunal fez um juízo de valor prematuro”, concluiu a relatora.
Fonte: Conjur